sexta-feira, 8 de março de 2013

O Trio/Quinteto

A Tertúlia de Madina Mandinga
Recordar, é ter presente na memória, os nossos momentos que hoje fazem história. É ter sentido de fazer conhecer aos nossos (filhos, netos e família), como passávamos os tempos, as horas, os dias, as semanas e os meses num país e num lugar, que a nossa memória aos poucos vai deixando de registar.

Hoje, os tempos são outros, a tecnologia e a ciência fizeram ultrapassar muitas coisas, até mesmo o conhecimento, a mentalidade e o relacionamento das pessoas.

Em Madina Mandinga, dada a situação local geográfica, era de todo impossível adquirir em suporte de papel, qualquer meio informativo de ocasião diária, semanal ou quinzenal, e em que muitos de nós, pudéssemos desfrutar de notícias e informações de utilidade em geral.
Apesar de não haver um quiosque de vendas de revistas e jornais, as noticias mais correntes, e comuns, eram as que chegavam através do correio particular e individual, que depois circulavam em forma de cadeado, mas aumentado.

A expectativa de receberem notícias era notória da parte do maralhal, que em silêncio, e bem atentos à chegada da coluna do correio, estavam prontos à chamada nominativa para receberem os célebres aerogramas ”correspondência gratuita, de cor amarela parda”.
Depois da correspondência na sua posse, recolhiam às casernas ou lugares habituais, para em silêncio e de olhos bem fitos no papel e sem qualquer olhar ou perturbação alheia, saborearem a leitura da(s) sua(s) missiva(s).
Cá fora, e do lado da secretaria que confinava com a caserna e os balneários, estava sempre em horário adequado e em tempo combinado, o trio/quinteto que na minha memória registei e denominei de tertúlia, que por norma trajavam vestes habituais: - calção verde tropa curto, botas de couro ou de lona, e por vezes óculos escuros, com cigarro a arder por entre os dedos.
Para lhes dar um certo ar de presença, por vezes usavam um tipo vara pequena, apelativa de um movimento rotativo ou de enrolamento com os dedos, enquanto falavam de diversificados assuntos de ordem privada ou de natureza pública.
Normalmente, e em movimento rotativo da cabeça, miravam de alto a baixo ou olhavam de soslaio, a(s) o(s) transeunte(s) passeante(s), em direcção a ambos os lados da via, direita/esquerda.
Sem conhecer o programa de cada momento da tertúlia, depreendia com alguma curiosidade que a temática da conversa diária, seria interessante e diversa, e sempre com assunto em novelo, intercalada de contos de fadas crescidas, histórias adultas, leituras de revistas fora do prazo, mas com assuntos interessantes e actualizados para o meio, etc., etc., etc., que, por sua vez ocasionavam as mais diversas interpretações deixando de lado, talvez, as anedotas, mas o facto é que lá sorriam e gracejavam com uso de gargalhada aberta e divertida.
Hoje, ao recordar aqueles momentos, em lugar e espaço desenquadrado dos demais escolhidos pelas tertúlias de vilas e cidades culturais, pois eles, nem tinham sala, eram desprovidos de ambiente próprio que, nem disponham de mobiliário adequado, sem cadeira, sem mesas, onde pudessem poisar um copo de whisky com gelo e água perrier, ou uma chávena de café bem negro e amargo, pois o espaço era exíguo e estreito, um simples passeio de rua, mas que se apropriava para uma passagem de tempo de análise e de variadas situações de vida ou momentos quotidianos de orla positiva ou menos boa.
Quem de perto lá passava, cruzava olhares àquela rotina que nem se atrevia em indagar o que quer que fosse, para não interromper ou dificultar a fluidez da conversa ou acontecimento passado.
Causou-me alguma estranheza em todo o tempo que lá andei, e a minha percepção na altura era, de que, momentos culturais e oportunos nunca tivessem motivado com algum entusiasmo e determinação a tertúlia, que por norma, a um canto da mesa se punham, sem perceberem e sem entenderem a minha mensagem.
Sei, que em muitos momentos, terminada a minha palestra cantante me diziam:
- gostei de ouvir, mesmo assim - mas dita com expressão de que não teria convencido nada com o meu canto de palavra interventiva.
Algo mingou de certeza, de uma parte ou da outra, ou de ambas. O circuito da comunicação não funcionou. A mensagem, ou não chegou a ser emitida e em boas condições, ou não foi captada como devia. É isto o que sucede na maioria das vezes, na transmissão da mensagem pretendida.
Para a maior parte da malta, fui actor e não mensageiro. Cumpri o meu número de programa solicitado, mas não devo ter deixado nada de novo nem motivador.
Fizera-me ouvir, mas não escutar, na medida em que ouvir é questão de som, mas escutar é afanosa procura da ideia através do som ou, até mesmo, do ruído.
Foi esta a impressão com que fiquei depois dos muitos momentos culturais. “Gostei de ouvir… mas não convenceu”.
Recordamos com saudades esses momentos culturais e alguma coisa ficou. Sabemos que ainda hoje, em todos os encontros/convívios, ao encerrar a confraternização é cantado, por todos, o Hino da Companhia.
José Graça Gaipo

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